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Sagrado, Profano ou Algo mais...?

  • Ricardo Gonçalves, Eduardo Sales e Afrânio Andrade
  • 22 de ago. de 2017
  • 5 min de leitura

A primeira coisa aqui é pensar: porque precisamos refletir sobre algo que parece tão típico do discurso religioso? Será que isso é importante para a vida moderna de todas as pessoas?

A importância do tema começa em refletir a presença e a influência que o pensamento dualista tem em nossa língua e em nossa cultura.

Quando pensamos as coisas, influenciados que somos pelo pensamento de Platão, pensamos a partir dos seus contrários. Os contrários podem nos dar importantes referências, mas pensar a vida apenas a partir deles ou a partir de “Sagrado X Profano” é muito limitado!

Essa limitação é simples de ser entendida. Quando falamos de Sagrado e Profano em termos de espiritualidade, estamos diante do problema da “CATEGORIZAÇÃO”. E quando falamos de categorização, estamos falando de CONTROLE. Quando nascemos já somos controlados pelos nossos pais, pela cultura onde nascemos, pelas regras sociais dominantes, pelos limites e alcances da língua que ouvimos e falamos. Depois, quando crescemos, passamos de controlados para controladores, mas não nos damos conta de que repetimos os mesmos padrões que nos impuseram, mesmo que não tenhamos gostado muito deles. Em nossas relações, no nosso dia-a-dia, em nossas reações e até em nossas emoções vemos que o dualismo e sua categorização estão presentes.

Nosso modelo mental é estreitado por conceitos simplórios entre “certo x errado”, “eu e minhas verdades x o outro e as verdades dele”, “as coisas de Deus x as coisas que não são de Deus”, “o que é puro x o que é impuro”. O interessante é observar que, em termos de categorização, as categorias “melhores” são sempre aqueles que para nós, são a nossa verdade!

A categorização do sagrado e do profano pode ser vista como uma forma de pensar elitista, que nos impede de ver o “algo mais”. Mas o que é o algo mais? O algo mais pode ser definido como a própria vida, numa dimensão mais ampla de interpretação, interação e visão!

Esta classificação tão bem marcada, com fronteiras fixas e rígidas não acontece na vida real como um todo, mas apenas em grupos e para grupos num dado contexto. Na vida real, nós somos puros e impuros, nós erramos e acertamos, nós temos atos de amor e também de desamor, nós conseguimos níveis inacreditáveis tanto de altruísmo quanto de egoísmo.

Aqueles que defendem radicalmente o que é sagrado para ele, acabam considerando o sagrado do outro como se profano fosse e vice-versa. Não existe, portanto, um sagrado único, ou um profano único.

Uma chave para isso é deixamos um pouco de lado os discursos elitistas e observarmos mais a sabedoria presente no senso comum e nas iniciativas que nascem do povo em sua dinâmica com a vida como ela é. Para muito além dos discursos religiosos que tentam definir o controlar o que é sagrado e o que é profano, temos uma vida que nos mostra, a cada instante, inúmeras nuances, onde tais fronteiras não são tão claras.

Quando um casal briga por exemplo, é muito comum que ambos disputem a razão dos fatos. Ambos lutam para ficar com o que há de sagrado (ou puro, certo), enquanto querem acusar o outro de ser o profano (impuro ou errado). Resultado disso: discórdia. A concórdia está no “algo mais”, ou seja, na visão integrativa.

Por exemplo: o uso do sapato nos pés não deve ser alterado. Sempre que se pensa em usar um sapato, pensa-se em usá-lo nos pés. Este posicionamento é "sagrado". Na panela de arroz não, pois na panela não é lugar de sapato! Sendo assim, cada coisa no seu devido lugar. Quando isto acontece, estamos diante de uma atitude mental que nos leva a "consagrar o mundo", como disse o Mircea Eliade. Para o casal que briga, talvez a solução, ou parte dela, seja ver o que cabe a cada um de “sagrado” e de “profano” em cada caso, e cada um corrigir aquilo que couber para o bem de ambos, ao invés de exigir do outro que se corrija!

Quando "consagramos o mundo", surge a dualidade entre o que é sagrado e o que é profano. Profano é tudo que está fora desta "ordem" consagrada.

Entretanto, no mundo atual, constatamos que há uma pluralidade de sagrados. Ou seja, aquilo que no meu grupo, isto é, dentro das minhas cercas e para as minhas ovelhas não é sagrado, pode sê-lo nas cercas alheias e para outras ovelhas. Desta forma, o sagrado e o profano convivem, mas sem perder a sua categorização, tornando-se, pois, relativos em quanto tal, mas continuando sagrado para o grupo A, B ou C e profano para o grupo D, E e F, simultaneamente.

O "algo mais", portanto, pode ser visto também como uma maneira de ver as cercas alheias. Entretanto, no seu contexto específico, as coisas continuam sendo sagradas ou profanas, posto que quem atribui esta categorização são as "mentes limitadas” ao seu contexto.

Podemos exemplificar com os patuás aqui no Brasil: Os negros procedentes do Mali, falavam árabe. E tinham consigo as palavras sagradas do Alcorão (Alá é o único Deus e Maomé é seu único profeta). Eles escreviam estas palavras em um pequeno pedaço de couro e o penduravam no pescoço. Os escravos africanos que não falavam árabe (a maioria, portanto), não sabiam o que estava escrito ali. Quando um destes últimos se evadia na floresta, os colonizadores mandavam o capitão do mato capturá-los. Os que tinham o escrito entendiam o chamado. Os que não tinham fugiam e eram capturados à força. Isto fez desenvolver na cabeça dos negros daqueles tempos que o poder para não ser capturado à força estaria naquele amuleto. E eles passaram a desenvolver aquele amuleto, mas sem os escritos em árabe. O que acontecia era que se tratavam de amuletos fracos, falhos. Daí se desenvolver a crença de que haveria uma reza sagrada proferida pelos negros oriundos do Mali. Mas ali não havia nada de sagrado. Eles apenas sabiam repetir de cor, em árabe, o conteúdo do seu escrito.

Em resumo, o sagrado e o profano existem e dão conta da sua relação com o social e não existem enquanto categorias definitivas para todos os grupos. O “algo mais” não estaria na superação do profano e do sagrado, mas na capacidade de decifrar o seu significado e o seu contexto. Assim, todo puro guarda seu impuro.

Dicas da Tribo:

Sempre que alguém fizer algo que te incomoda, te irrita ou te fere, faça um esforço mental para compreender (a fundo) qual é a intenção positiva que aquela pessoa teve ao fazer o que fez ou ao dizer o que disse! Não pare de pensar até encontrar algo que te convença verdadeiramente! Quando você conseguir enxergar o todo, fará crescer sua inteligência integrativa.


 
 
 

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